sábado, 20 de novembro de 2010

Collatta recomenda...


[Fernanda veste: Body Rosa Chá, brincos e pulseira Alberta, meia calça Acervo Produção, anel Acervo Pessoal]

Em três anos, Fernanda Torres perdeu o pai, ganhou Antônio, repensou o casamento. Agora, estreia programa inédito e fala, sem querer, da plenitude que alcançou aos 45 anos
Faz dois meses que Fernanda Torres não chega em casa a tempo de colocar o filho caçula para dormir. Tem saído antes das dez da manhã e voltado após as 11 da noite. Nem no Dia das Crianças as gravações deram uma trégua. O jeito foi perder o compromisso em família e deixar que Valéria, a babá que carinhosamente chama de “sócia”, acompanhasse Joaquim e Antônio ao hotel-fazenda programado para o feriado.

Dali quatro dias, enfim, poderia se esbaldar com as crias logo que concluísse as filmagens da série Amoral da História, que estreia em novembro, no Multishow. Baseados nas fábulas do escritor Millôr Fernandes, os episódios carregam muito da concepção e da direção de Fernanda em parceria com a Conspiração Filmes. Para protagonizar um dos capítulos, aparece caracterizada de barata. Durante as duas horas de entrevista à Tpm, hipnotiza esta repórter com suas antenas incessantes e seu humor inteligente, ingrediente fundamental de sua carreira.

Tida como uma das melhores atrizes do cinema, da TV e do teatro brasileiros, Fernanda tem bagagem, talento e esperteza para escolher seus trabalhos a dedo. Nunca se prendeu a contratos com emissoras, tampouco é lembrada por um único personagem. Aprendeu com os pais a conquistar independência profissional, especialmente no teatro. Na década de 90, Fernanda dividiu o palco com a mãe, Fernanda Montenegro, em duas situações: The Flash and The Crash Days, de Gerald Thomas, e Da Gaivota, de Daniela Thomas.

Em 2004, travou parceria com o irmão no filme Redentor, que ela roteirizou e ele dirigiu. Nas memórias de infância, Cláudio Torres não se esforça para lembrar “da Nanda se fantasiando em casa com os figurinos da mãe”. Chama a atenção, portanto, o pouco que se fala, nesses quase 30 anos de carreira, da forte relação dela com o pai, o ator e diretor Fernando Torres, que morreu em 2008 por enfisema pulmonar. “Quem me ensinou a ser mãe foi meu pai. Ele vinha de uma família bem brasileira, mineira, maranhense com índio, em que as crianças são ‘a casa’. Me levava para pescar em Itaipu, comprava boneca, montava aeromodelismo. Sou muito mais meu pai como mãe do que minha mãe”, analisa.

A perda do pai tornou mãe e filhos mais cúmplices, agora zelam mais um pelo outro. Fernanda vê o lado bom: “Sempre tive uma posição de filha, depois da morte do papai fiquei mais adulta”, admite ela, que viu a doença progredir. “Achava que a morte dele seria uma coisa natural. Mas doença e morte não têm nada a ver, é incompreensível a pessoa não existir mais, não se encontrar em nenhum lugar físico”, divaga. Dois anos depois, ela ainda digere essa ausência. Aos 45, diz experimentar a plenitude e discorre sobre o tema em tom sutilmente melancólico.

Fernanda anda apegada a esse momento de vida, no qual se vê preenchida pelos filhos, pela casa, pela família, pelos trabalhos que concretiza. “Os 40 anos são uma idade de muita completude, ao mesmo tempo em que dá para enxergar a curva da vida. Você entende que o tempo passa, e passa rápido, então é uma época de muita felicidade e compreensão da mortalidade. Porque, aos 20 anos, você é imortal”, elucida.

“Quem me ensinou a ser mãe foi meu pai. Ele vinha de uma família bem brasileira, mineira, maranhense com índio, em que as crianças são ‘a casa’”

Nessa sua fase “imortal”, já tinha saído da casa dos pais para morar com o jornalista e apresentador Pedro Bial. A educação que recebera, sem amarras, somada aos primeiros salários, possibilitava essa independência. Fernanda aproveitou e foi conhecer o mundo, fincar seus pés em um sem-número de países. Dos 26 aos 30 anos, estabeleceu-se em Nova York com Gerald Thomas, segundo marido, até não se sentir mais parte daquilo.

Voltou sozinha. “Não queria mais viver com uma mala na mão, queria ter uma casa, uma família, trabalho. Foi um momento em que tive medo porque teria que reconstruir a vida que tinha desmontado”, lembra. No retorno, foi acolhida pelos parceiros Luiz Fernando Guimarães e Débora Bloch, e entrou para a peça 5 x Comédia. “Lembro de uma turnê em Brasília que precisávamos nos ocupar para não cair no tédio brasiliense. Fomos correr no parque e, quando vimos, lá estávamos nós andando de caiaque no lago. Fazíamos qualquer negócio para nos divertir”, conta Débora.

“Queria ser a Marisa Monte, que só fala sobre trabalho. Mas ator é mesmo mais chinfrim”

Dona de um talento versátil, além de atuar Fernanda assina colunas nas revistas Piauí e Veja Rio e artigos sobre as eleições na Folha de S.Paulo. “A Nanda tem uma liberdade interna admirável, não tem medo de se arriscar e está sempre inventando novos caminhos”, descreve Débora. Mesmo assim, não joga no time dos workaholics. O ócio, para ela fundamental, é preenchido com aulas de canto, livros, música. Gosta de ser embalada pela rotina, que é por onde recupera o fôlego gasto com períodos ininterruptos de trabalho. Faz dela seu paraíso: toca seu piano “ruim” (“há dois anos toco a mesma música, ‘Sonata ao Luar’, de Beethoven, e continuo errando. Não tenho o dom, mas não importa”), pratica pilates, ioga.

São visíveis a postura e o corpo modelados pela prática. “Achei que depois de dez anos de ioga estaria voando, mas não. Aprendi milhões de coisas, mas ainda paro nas minhas limitações. E, como tenho vida interior, gosto de ficar ali concentrada, com a respiração”, conta ela, que sente falta de correr no calçadão, atividade que tem evitado pelas pontadas sentidas no joelho. Aos 45, portanto, não lamenta o raio X da idade. “Nunca fui saudosista porque nunca fui linda. Se a mulher é um fenômeno, ela vai envelhecer um fenômeno e talvez sinta mais. Mas nunca fui a bombshell”, reconhece.

Fernanda não funciona em tempo limitado. Detesta a ideia de ter que parar de viver para correr atrás da vida. “Quando você é adolescente você tem tanto tempo, e, quando vai ficando mais velha e vai gostando da vida, não tem tempo para nada. É uma injustiça”, opina. Hoje não vê a hora de voltar com o leva e traz das crianças na escola e a logística de criar dois meninos de idades tão distintas: Joaquim, 11, e Antônio, 2 anos e meio. “Quando, no terceiro fim de semana consecutivo, o Joaquim disse que ia dormir na casa de um amigo, achei que era melhor fazer outro, porque aquele ali já estava indo”, lembra, rindo.

Antônio, então, nasceu em 2008, quando ela tinha 42 anos e o casamento com Andrucha Waddington, diretor e sócio da Conspiração Filmes, somava mais de uma década. “Ele é superafetuoso, mas não é um pai que para tudo pelos filhos. Ele tem o ano de trabalho e o mês de férias, em que é pai absolutamente. Foi criado assim”, conta.

Fernanda aprendeu a ser menos melancólica com Andrucha; ele, a ter uma rotina mais plácida. “Essa minha vida interior, do piano, da escrita, da leitura, ele fica abismado. Mas me ensinou a ir pro mundo”, revela. Apesar dos hábitos distintos – ela é diurna; ele notívago, workaholic, fumante –, foi nas semelhanças que a relação se apoiou. “Temos necessidade de vida própria, uma enorme ansiedade produtiva e uma franqueza bruta com a vida”, descreve a atriz, que hoje mora numa casa e o marido, em outra.

Explica: “Ano passado o Andrucha ficou seis meses filmando e morando sozinho na Espanha. Quando tentamos juntar de novo, nos estranhamos”, comenta. E emenda: “Ele trabalhava em casa, eram pessoas dia e noite, a casa parecia a nave espacial Apollo 13, as quatro crianças de idades variadas [Joaquim, Antônio e os enteados, um com 16, outro com 18 anos], cada um com a sua vida. Realmente precisava. E você não escolhe, a vida vai te empurrando”, esclarece. Passado o furacão, reaproximaram-se.
“Os 40 anos são uma idade de muita completude, de felicidade e compreensão da mortalidade. Porque, aos 20 anos, você é imortal”

Toda essa novela da vida real foi acompanhada pelos sites de fofoca desde os rumores da separação, há um ano. Questiono se isso a incomoda. Fernanda então para, franze a testa, entra em crise. “Porque deveria me incomodar quando me fotografam na rua se estou falando da minha vida pessoal para você? Aliás, não devia ter falado nada disso. Olha que loucura, estamos há horas falando da minha intimidade porque quero fazer as pessoas verem Millôr Fernandes e a moeda de troca é a minha família. Isso é certo? Queria ser a Marisa Monte, que só fala sobre trabalho. Mas ator é mesmo mais chinfrim”, consola-se, sem perder o humor.

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